domingo, 17 de julho de 2016

Pedaços

     Eu deveria saber tudo ao meu respeito, me conhecer melhor que qualquer outra pessoa... mas quando acredito ter me enxergado, me deparo com alguém no espelho que sequer reconheço. Sou um rascunho de uma visão distante que um dia tive, um sonho tolo de menino, onde sou pequeno e ingênuo... perdido nos afazeres simples e sentimentos confusos.
     Apenas apontei uma direção e segui sem saber ao certo onde meus passos me levarão, caminhando com as pontas dos dedos gelados pelas tardes cinzentas... procurando abrigo onde eu possa aquecer o corpo e alma já cansados.
     Mas... o vento frio e cortante não oferecem abrigo aos andarilhos, os sonhos congelam-se nas lágrimas cristalizadas... o inverno é severo com quem está só.  A solidão é alguém com quem me deparei e que não me deixa por períodos longos, que me acompanha ao longo de muitos anos... ela já reside em mim como um parasita essencial do meu ser.
     O inverno é só uma estação... anunciando a chegada do calor infernal e a promessa que talvez aqueça essa casca úmida e gélida, que talvez aqueça mais que isso, se ainda houver algo até sua chegada para aquecer aqui... pois ao pular num abismo, somos impulsionados pela curiosidade de saber o quão fundo ele pode ser, rasgando o ar gelado com a face e o peito aberto, deslizando no vento cortante que uiva como uma matilha de mil lobos aos nossos ouvidos. Libertos como pássaros a voar, ou presos ao medo da queda... desejando cair eternamente num num sonho infinito de morte, de olhos fechados à esperar o estalar surdo no chão da dura realidade...

domingo, 3 de janeiro de 2016

Felicidades

Promessas e votos,
juras insanas...
A noite revela os desejos do corpo
e o decorrer do ano os desejos da alma.
Um brinde à insanidade e a luxúria,
contidas nos sorrisos embriagados,
nas lágrimas felizes e nos sorrisos
falsos e congelados...
Assim o céu ardeu em chamas,
e cegante e bela foram suas luzes.
Erguidos os copos, taças e garrafas,
pão e vinho, luxúria e mentiras
a noite inebriante segue seu rumo
ao novo dia, à um novo ano,
às novas promessas...
Aguardando o dia de aceitarmos as cicatrizes
dos outros, o dia de olharmos aos outros
como nos olhamos à cada despertar,
nas manhãs antes do trabalho...
de ver o próximo belo, como quando
nos preparamos para sairmos
com aquela pessoa especial...
até porque acredito ser esse
o desejo de todos;
sermos especiais.
Assim como nos sentimos vez ou outra,
com a sensação de sermos únicos
em nossa individualidade arrogante...
Reflitamos...
todos...

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Céu nublado

Nas noites sem fim, nos beijos ternos.
Lunático quando cheia,
mais lunático sem ela.
Um perfume no ar, cabelos ao vento...
Uma brisa leve que conduz ao desconhecido.
Me perco na neblina...
Seguindo a luz da lua alva, sensual, que anseio.
Eu anoiteço à medida que a conheço...
Ansiedade, desejo e medo.
Minha lua branca parte quando amanheço...
Nos dias frios, tardes cinzentas, no céu sem estrelas não a vejo.
Na loucura emoldurada do meu berço,
quando distante, a quero perto... e quando perto,
aumenta mais esse desejo...

domingo, 18 de outubro de 2015

Fotografia

     Penso no tempo em que não haviam lentes... quando olhávamos olhos nos olhos. O brilho natural dos olhos apaixonados, sem lentes para esconder sua cor ou beleza. As fotos capturando momentos inesquecíveis e sem necessidade de registro.
     Me pego vez ou outra a contemplar essas imagens, momentos mudos. Recordações de um tempo irrevogável, alegres ou indolores, indiferentes e tocantes em seus sorrisos congelados. Aquele sorriso que se perdeu dentro das caixas empoeiradas e das memórias lacerantes. E sinto falta do som das gargalhadas, dos dedos entrelaçados, do cheiro de terra molhada, do calor do sol no fim da tarde...
     Cá estamos presos atrás dessas lentes. Como animais expostos em suas jaulas... ocultos em suas lentes de contato, exibidos por lentes através de vídeos e fotos sem cheiro, a acariciar visores e displays. Famintos à lamber o vidro sem sabor, imaginando o gosto de nada além de uma imagem. Fadados a perder a essência dos que nos torna selvagens...
     E lá está ela presa atrás de uma lente, de onde a contemplamos à distância... onde  vemos mentir e fingir ser bela e elegante. Onde não há dor ou sofrimento exposto se não através da arte, onde a vemos como gostaríamos que fosse. A vida como ela é...
     Aqueles olhos que contemplamos à espera de alguma retribuição, mascarados em seus filtros e cores adornantes, editados para serem amados, como se isso fosse necessário... aqueles olhos pertencentes à quem queira olhá-los, vendidos em tamanhos e resoluções diferentes, para curtirmos e compartilharmos, amá-los e recordarmos, através das lentes que o capturaram, através das lentes d'água de lágrimas de um tempo onde tudo foi mais vivo...

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Divergência

     Tomado pelo calor ao entardecer, inicio a fotossíntese do meu sentir,
ao canto dos pássaros à aproveitar os últimos raios do sol. Anoiteço aos
poucos a melancolia, que desaparece do meu interior. Cai a noite e vem
as trevas que me rodeiam.
     Mas, nasce à cada noite um sol em meu peito. E sou luz, vida e calor
uma vez mais. Um jardim de novas células desabrocha em meu corpo e
sou tocha ardente à iluminar o caminho que leva ao desconhecido. Me
reúno às almas dançantes que deixaram seus corpos após a penumbra,
num baile de morte à celebrar a vida.

     Findam-se a noite e a escuridão, trazendo luz, dia e trevas ao meu
coração...

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Insônia

Nas noites frias, na escuridão da minha alma
penso no que ficou somente em minha lembrança.
Eu fecho meus olhos e o sono não vem...
talvez tenha sido sempre assim.
E noite após noite penso nela,
numa tentativa desesperada de decifrá-la,
de desvendar seus mistérios. Sigo assim,
pensando nela - a vida.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Um novo dia

     Quando algo nos aflige,
quando nosso peito é tomado por
um temor desconhecido, sentimos
o corpo comprimindo-se. Os ossos
estalam-se uns contra os outros,
rumo ao vazio infindável. E quanto mais
aperto o peito, maior torna-se o oco.
     Cada um lida com isso de diferente maneira.
Eu particularmente escrevo. O cheiro da tinta
no papel, leva-me à um passado distante,
numa época sem dia ou noite, sem relógios
nas paredes... apenas um tempo em que
os sorrisos não eram apenas sorrisos fáceis.
Havia verdades nesses sorrisos.
     Um período sem preocupações,
até porque não se contava o tempo,
por não ser importante... Haviam
apenas momentos. E sei que não voltarão,
essas emoções que existem somente
em lembranças.
     Talvez seja essa a origem desse vazio.
Essa sensação de que algo nos falta. Pois
quanto mais vivemos, mais e mais perdemos
e tudo que ganhamos às custas de nossas perdas,
deixam dúvidas perpétuas em nossas almas.
     Me pergunto diariamente se valeu à pena
essas substituições, o velho dando lugar ao novo.
Penso nas pessoas com quem convivo
e naquelas que jamais verei outra vez. Penso na morte
como a esposa derradeira, com a qual ei de unir-me
do meu fim para resto da eternidade, num compromisso
que jamais terei em vida.
     Na verdade não sei ao certo descrever minhas
reais emoções, ou como há de findar-se
minha existência. Sei apenas que não é cedo
o suficiente pra eu comemorar e nem
tarde demais para que eu desista. Pois,
enquanto houver um novo amanhecer,
haverá esperança... e a cada dia,
haverá uma nova chance...