domingo, 18 de outubro de 2015

Fotografia

     Penso no tempo em que não haviam lentes... quando olhávamos olhos nos olhos. O brilho natural dos olhos apaixonados, sem lentes para esconder sua cor ou beleza. As fotos capturando momentos inesquecíveis e sem necessidade de registro.
     Me pego vez ou outra a contemplar essas imagens, momentos mudos. Recordações de um tempo irrevogável, alegres ou indolores, indiferentes e tocantes em seus sorrisos congelados. Aquele sorriso que se perdeu dentro das caixas empoeiradas e das memórias lacerantes. E sinto falta do som das gargalhadas, dos dedos entrelaçados, do cheiro de terra molhada, do calor do sol no fim da tarde...
     Cá estamos presos atrás dessas lentes. Como animais expostos em suas jaulas... ocultos em suas lentes de contato, exibidos por lentes através de vídeos e fotos sem cheiro, a acariciar visores e displays. Famintos à lamber o vidro sem sabor, imaginando o gosto de nada além de uma imagem. Fadados a perder a essência dos que nos torna selvagens...
     E lá está ela presa atrás de uma lente, de onde a contemplamos à distância... onde  vemos mentir e fingir ser bela e elegante. Onde não há dor ou sofrimento exposto se não através da arte, onde a vemos como gostaríamos que fosse. A vida como ela é...
     Aqueles olhos que contemplamos à espera de alguma retribuição, mascarados em seus filtros e cores adornantes, editados para serem amados, como se isso fosse necessário... aqueles olhos pertencentes à quem queira olhá-los, vendidos em tamanhos e resoluções diferentes, para curtirmos e compartilharmos, amá-los e recordarmos, através das lentes que o capturaram, através das lentes d'água de lágrimas de um tempo onde tudo foi mais vivo...

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Divergência

     Tomado pelo calor ao entardecer, inicio a fotossíntese do meu sentir,
ao canto dos pássaros à aproveitar os últimos raios do sol. Anoiteço aos
poucos a melancolia, que desaparece do meu interior. Cai a noite e vem
as trevas que me rodeiam.
     Mas, nasce à cada noite um sol em meu peito. E sou luz, vida e calor
uma vez mais. Um jardim de novas células desabrocha em meu corpo e
sou tocha ardente à iluminar o caminho que leva ao desconhecido. Me
reúno às almas dançantes que deixaram seus corpos após a penumbra,
num baile de morte à celebrar a vida.

     Findam-se a noite e a escuridão, trazendo luz, dia e trevas ao meu
coração...