segunda-feira, 27 de maio de 2013

Jornada

     Perdido entre as estrelas,
vagando sem me dar conta da direção,
vim parar aqui.
     Uma pedra errante
vagando sem rumo.
Eu, que do céu caí
como um anjo,
uma pedra diferente,
indistinguível das demais,
só mais um demônio
em meio à muitos outros...
     Sentada como qualquer outra pedra,
sem nada saber,
observando.
Matando tempo
e contemplando o horizonte,
as ruínas que me cercam.
     Muda e solitária,
uma pedra que certa vez,
uma criança desenhou um sorriso.
     Chutada daqui para lá,
ora para frente,
ora para trás. Contra
minha vontade,
deslocando-se para o nada,
rolando morro abaixo,
sem ter em que se agarrar,
jogada contra um inimigo,
desprezível, um animal indefeso...
     Mais que uma pedra.
Uma arma,
um calço,
um peso.
Com o pensamento
que um dia
as pedras se encontram,
presa numa tentativa de conforto.
     Sinto-me como se não fosse daqui,
que talvez seja um metorito,
desapercebido por não ser
nada mais que uma pedra,
no caminho
ou no sapato,
sem noção do tempo
ou do espaço.
Desgastando-se à cada lua,
cada sol,
à cada luto,
cada pingo de chuva,
encolhendo...
sentindo-se longe
de ser preciosa,
esculpida ou lapidada.
     Somente uma pedra
perdida em uma ruína qualquer,
uma remota lembrança caótica,
alicerce do nada,
à espera do dia de reduzir-se à pó,
reduzida à grãos minúsculos,
que flutuarão pelos ares,
tentado voltar para casa...

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Cai 
incessante 
a água, 
inconstante 
do céu 
sem cor. 
Nuvens sem vida 
choram, 
molhando os 
tijolos que erguemos, 
lavam nossas 
almas, 
derrubam nossas casas... 
encharcam nossas asas. 
Cai a noite, 
atropelando o dia, 
antecipada. 
Chove. 
Incessante agonia. 
Luz forte. 
Um clarão. 
Estrondo. 
     R
    a
       i
    o.
Fogo na mata...

sábado, 11 de maio de 2013

Embaixo da cama

De onde vem a inquietude mora minha incerteza,
procurando razões e sentimentos,
sentido,
qualquer coisa que eu sinta e me explique de onde vem o medo.
Ora é cedo, ora tarde.
Me sinto feliz e me entristeço,
sorrio perdido em meio a indiferença do peito.
Me sinto mal e quero gritar,
mas acabo gargalhando insano e enxugo minhas lágrimas,
amargurado me deito,
sem saber... que ainda é cedo,
que talvez eu seja ou esteja vazio,
que sou bruto, mesmo sendo gentil
e frágil tentando ser forte,
procurando a sorte e
me esquivando da morte.
Um vampiro sedento,
um monstro horrível e
no fim, apenas uma criança com medo,
mutilado e dilacerado
pela incerteza do amanhã...

sábado, 4 de maio de 2013

Olhei no espelho e não me vi.
Não reconheci o homem à minha frente,
pensei nunca tê-lo visto.
Ele me sorriu
como se me conhecesse,
acredito ter retribuído o sorriso para o homem cansado.
Nos viramos e partimos
rumo aos nossos destinos e
ao me virar notei que
caminhava e também me olhava.
Havia algo muito familiar naquele homem estranho.
Mais tarde
voltei ao espelho e
recordei-me dos olhos insanos do velho homem.
Meu cão me puxava a calça
querendo brincar.
Abaixei-me e lhe acariciei o dorso
e ao voltar-me ao espelho,
lá estava o homem.
Ainda mais estranho,
ainda mais insano,
e a navalha em sua mão brilhava, criando um temor horrível em meu peito.
Nos encaramos por um momento e
num só movimento, lançou a navalha em minha face.
Olhei no espelho e relutei em acreditar.
A navalha moveu-se rápido.
O homem estranho sumiu.
Um menino surgiu e sorriu.
Lembrei-me da infância querida,
da aurora de outrora,
dum tempo distante de mim e
minha alma...
Lavei meu rosto e olhei no espelho;
lembrei-me do homem, vi o menino,
parti em passos lentos
apoiado em minha begala, com a mão
trêmula e enrugada.